Todos os medicamentos, sejam eles classificados como de referência,
similares ou genéricos, devem ter sua segurança e eficácia comprovadas
antes de obter o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). O entendimento foi adotado pela Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar recurso que questionava o
registro do medicamento Doxelib, utilizado no tratamento de câncer de
mama.
“Em se tratando de saúde pública, direito fundamentalmente
garantido em nossa Carta Magna, é inconcebível chancelar a legalidade de
registro de um medicamento que não se submeteu a nenhum teste de
eficácia, segurança e qualidade, impondo-se o devido rigor e precaução”,
afirma a ministra Eliana Calmon, relatora do processo.
Os testes
são uma exigência da Lei 6.360/79, que prevê que só pode haver registro
quando “o produto, através de comprovação científica e de análise, seja
reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe e possua a
identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias”.
O caso Doxelib
Em
março de 2001, a Anvisa concedeu à Libra Produtos Laboratoriais Ltda. o
registro do medicamento Doxelib sem a exigência dos testes necessários.
Segundo a agência, o remédio seria um similar do Taxotere, produzido e
comercializado pelo laboratório farmacêutico Aventis Pharma. A empresa
responsável pelo medicamento de referência entrou na Justiça com pedido
de anulação do registro.
A primeira instância decidiu que o
registro era válido, aceitando as alegações da agência de que o
medicamento seria um similar do Taxotere, da Aventis, e, por isso,
estaria isento de testes. Houve então recurso ao Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4), que entendeu, em uma primeira decisão, que a
Anvisa deixou de observar determinação legal ao autorizar o registro.
Obrigatoriedade
Pela
primeira decisão do TRF4, mesmo tendo sido classificado e registrado
como similar ao Taxotere, o medicamento deveria submeter-se à lei. Não
há nada na legislação que leve à conclusão de que apenas os novos
medicamentos – os medicamentos de referência – tenham de comprovar a
eficácia, desobrigando os testes de remédios similares, esclarece o
primeiro acórdão.
Porém, a Anvisa e a Libra entraram com embargos
infringentes, que foram providos. A decisão considerou que a agência
havia cumprido as exigências legais à época da concessão do registro do
Doxelib e restaurou a sentença de primeira instância.
A Aventis
Pharma recorreu então ao STJ e insistiu na anulação do registro do
medicamento, uma vez que os testes não foram realizados. No recurso
especial, alegou ainda que houve omissão e falsidade nas informações
veiculadas na bula do medicamento comercializado pela Libra, uma vez que
as indicações dizem respeito ao Taxotere e não a seu similar.
Proteção da saúde
Para
a ministra Eliana Calmon, relatora do processo, a questão é complexa,
pois a discussão envolve dois tipos de medicamentos anticancerígenos, os
laboratórios produtores, a atuação de órgão de fiscalização e a
proteção da saúde pública.
O ponto principal está na
interpretação comparativa entre as definições legais dos medicamentos de
referência e similares. Conforme o segundo acórdão do TRF4, somente
seria exigível a comprovação de eficácia, segurança e qualidade dos
medicamentos registrados como de referência, não dos similares.
Um
medicamento similar não é um medicamento genérico. O genérico é aquele
idêntico ao medicamento de referência, enquanto o similar apresenta
apenas o mesmo princípio ativo.
Embora reconheça que os atos
administrativos, como os de registro por órgão fiscalizador, tenham
presunção de legalidade, a ministra afirmou que esta é relativa,
principalmente quando se levantam dúvidas quanto à própria similaridade
em relação ao medicamento de referência.
Suspensão
A
relatora apontou ainda uma questão relevante, posterior ao ajuizamento
da ação: a própria Anvisa, embora defenda seu ato originário de
registro, em setembro de 2012, por meio da Resolução 4.040, suspendeu a
importação, distribuição, comércio e uso do Doxelib em todo o país.
A
agência alegou que a medida visava “minimizar a exposição da população
ao risco do consumo de produto fora do padrão mínimo de qualidade
estabelecido para os medicamentos no Brasil”.
Segundo o ato, “o
produto não comprovou estabilidade, pureza e formulação adequadas, não
atendendo a critérios mínimos de qualidade estabelecidos pela Lei
6.360”. Para a ministra, foi praticamente um reconhecimento das
alegações apresentadas pela Aventis Pharma em seu recurso ao STJ.
Fonte: STJ
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