segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Os prós e contras de fazer um consórcio

Porquinho em cima de moedas
Sem recursos para compras à vista, muitos brasileiros veem nos consórcios de carros e de imóveis uma saída para evitar as altas taxas juros dos financiamentos, além de uma boa opção de “investimento” para os que não têm disciplina para guardar dinheiro.

No entanto, na opinião de especialistas financeiros, a escolha pode ser positiva apenas para os bancos e para as empresas especializadas no segmento.
Na prática
Para o projetista aeronáutico, Gabriel Kavalieris, de 31 anos, seu primeiro consórcio foi um ótimo negócio, em 2010. Ele contratou uma carta de crédito de R$ 30,9 mil para pagamento em 60 meses, com parcelas mensais de R$ 593,71. De taxa de administração para o consórcio, ele pagou R$ 5,6 mil.
De São José dos Campos (SP), ele havia acabado de entrar num novo emprego, não queria pagar juros altos com financiamentos e estava disposto a esperar pelo sorteio do carro.
“Pensei no consórcio por conta dos juros zero”, explica. Mas apesar da preocupação com os juros, Kavalieris não foi tão cuidoso na pesquisa de comparação das chamadas taxas de administração cobradas pelos consórcios. “Já conhecia por nome uma empresa famosa no ramo da minha região e fui direto neles”.
Depois de um ano, o projetista fez um acerto muito comum entre as pessoas que não querem esperar mais pelo sorteio dos bens em consórcio. Ele encontrou um carro com valor menor que o da carta de crédito, era um carro usado de R$ 22 mil, e usou a diferença como lance no mês. “Faria de novo, com certeza”, afirma.
O mito do juro zero
No caso de Kavalieris, mesmo fugindo dos juros altos, a compra do carro somou os R$ 5,6 mil de taxa, mais R$ 8,9 mil do lance, ou seja, R$ 14,5 mil, cifra que responde por quase a metade do valor contratado na carta, quadro parecido ao que ocorre com os financiamentos bancários de automóveis, em que se paga praticamente o dobro do valor do carro à instituição financeira. Por fim, ele pagou cerca de R$ 35,6 mil por um carro usado de R$ 22 mil.
Na visão do especialista em matemática financeira e professor de contabilidade do Insper, José Dutra Vieira Sobrinho, Kavalieris não fez um mau negócio.
No fim, ele acabou pagando uma taxa de aproximadamente 2,23% ao mês, em linha com financiamentos do setor na época.
No entanto, uma importante pergunta neste caso é: o veículo usado que foi comprado realmente valia R$ 22 mil? “Ou será que com R$ 22 mil na mão ele não compraria um carro melhor pelo mesmo preço?”, questiona Dutra, lembrando que com o dinheiro na mão é mais fácil conseguir descontos etc.
 
Apesar do final “feliz” para Kavalieris, para o professor, o esquema de consórcio é de longe um dos produtos financeiros mais confusos do mercado. “E essa compressão ruim se agrava nos contratos com foco imobiliário, em que o prazo é muito maior e as taxas administrativas também, com base nos altos preços dos bens”, alerta.
Jabuticaba brasileira
Na avaliação do coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), William Eid, o sistema de consórcio é mais uma jabuticaba brasileira, que foi criada num momento em que havia pouco crédito disponível no mercado.
No final dos anos 1980, até filmadoras eram vendidas em consórcio por causa da instabilidade dos preços causada pela inflação. Era uma forma de garantir a entrega do produto, já que volta e meia eles desapareciam das lojas por causa dos tabelamentos de preços.
O exemplo do projetista acima deixa claro outra característica do consórcio, diz o professor: ”as pessoas ainda acreditam no mito dos juros zero”, diz o professor.
“Um ano atrás, um consórcio imobiliário cobrava taxas de 17% a 20% do valor da carta de crédito. Onde que isso é sem juros? Tem custo, só que com um nome diferente”, afirma.
O consórcio como investimento
Segundo o professor Eid, algumas pessoas costumam ver o consórcio como um investimento por não conseguirem guardar dinheiro sozinhas.
”Elas não se obrigam a colocar a mesma quantia paga no consórcio numa aplicação financeira qualquer”, diz. Na realidade, de acordo com ele, paga-se para que um banco ou uma companhia especializada guarde o seu dinheiro.
Na média, as pessoas aguardam 30 meses para receber o bem contratado em consórcio, segundo ele. Nesse meio tempo, o consórcio usa o dinheiro do cliente sem pagar rendimentos e ainda cobra por sua “gestão” dos recursos no período.
“O brasileiro, de maneira geral, lida muito mal com o dinheiro”, diz Eid. O ideal é que o pessoa prepare uma meta de quanto vai precisar para comprar determinado bem e que depois estude um pouquinho quais as aplicações que renderão mais no período que ela necessita, aponta. “Qualquer aplicação vale mais a pena”, completa.
Um caminho para a educação financeira
Na opinião um pouco mais favorável do estrategista para pessoa física do Banco Ourinvest, Mauro Calil, o consórcio pode ser uma porta de entrada para um orçamento com dívidas programadas. “Não acho que seja a opção ideal, mas o financiamento, por exemplo, é bem mais nocivo para as contas domésticas do que o consórcio”, acredita.
Trata-se de um caminho para passar a comprar à vista, defende Calil. “Não é perfeito, melhor seria criar uma poupança prévia para a compra do bem”, diz. “No entanto, pode funcionar como início de um processo de educação financeira”, acrescenta, à medida que, de alguma forma, a pessoa está separando determinada quantia para uma meta pessoal.
Ainda assim, Calil não descarta a necessidade da pesquisa pelas melhores taxas de administração e a atenção aos detalhes dos contratos fechados.
Para ele, a desvantagem do consórcio não é financeira, mas temporal, condicionada ao prazo de espera de contemplação ou entrega do bem. “Uma pessoa pode pagar o consórcio por anos sem usufruir do bem, pagando taxas para o consórcio no lugar de receber juros pela sua economia”, finaliza.
Fonte: Exame

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