Previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para os casos em que o fornecedor identifica problemas em produtos e serviços que causam risco à saúde e segurança do usuário, a convocação de recalls bateu recorde no país este ano, pela primeira vez chegou a casa de uma centena. Até o último dia 10, fornecedores já haviam feito 102 chamamentos para a correção de defeitos, mais que o triplo registrado em 2003 (33), quando do início do banco de dados pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, aumento de 57% sobre o ano passado (65 convocações).
Para os órgãos de proteção ao consumidor, o recorde reflete a consolidação do conceito de recalls e uma postura mais pró-ativa e comprometida das empresas em identificar e sanar problemas.
— Noventa e cinco por cento dos recalls deste ano foram voluntários (a convocação partiu do fornecedor, após identificar o problema). É claro que é sempre um incômodo para o consumidor ter de verificar se o produto que tem em casa está envolvido, agendar o reparo ou a troca. Mas o recall é o remédio que temos para sanar um defeito, que pode trazer riscos à saúde e até à vida — destaca Amaury Oliva, diretor do DPDC.
Para Andrea Sanchez, diretora adjunta de Programas Especiais do Procon-SP, o comprometimento maior das empresas se deve, em parte, à crescente judicialização de conflitos de consumo, resultando em indenizações ao consumidor. Hoje, as ações de consumo somam quase a metade dos 90 milhões de processos no Judiciário brasileiro (são 40 milhões de processos).
— Os fornecedores identificaram que é menos oneroso convocar recall do que ter de pagar indenização e dar assistência a lesados por defeitos em seus produtos — ressalta.
A diretora adjunta do Procon-SP, avalia que, por outro lado, o crescimento do número de recalls também pode ser reflexo de um aculturamento dos consumidores, que reclamam mais:
— Não temos acesso ao banco de reclamações das empresas, que podem ser a origem das convocações de recalls. Os próprios órgãos de defesa do consumidor, como os Procons, orientam o consumidor a, primeiro, fazer a queixa ao fornecedor.
Andrea chama atenção ainda para uma peculiaridade identificada neste ano: a considerável quantidade de recalls de veículos recém-lançados. Seguindo uma tendência histórica, a maioria dos recalls feitos este ano é de veículos: 58 deles de carros, caminhões e ônibus e 14 de motocicletas. Para Andrea, os chamamentos nos casos dos lançamentos trazem insegurança ao consumidor.
— Normalmente, os problemas apareciam pelo desgaste causado pelo tempo de uso. No entanto, hoje temos veículos que, menos de um ano depois do lançamento, já apresentam problemas que colocam a vida em risco. Isso deixa uma dúvida: será que a pressão do mercado para que novos modelos sejam lançados em um intervalo de tempo cada vez menor não está levando as montadoras a descuidarem da linha de produção? — indaga a diretora do Procon-SP.
Na avaliação do diretor do DPDC, o número elevado de recalls convocados pela indústria automotiva se deve ao fato de a produção estar concentrada em poucas montadoras:
— São empresas muito organizadas espalhadas pelo mundo. Então se ocorre um recall no Japão, por exemplo, não demora muito para a filial brasileira saber se no país há carros envolvidos ou não.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) foi procurada para comentar o assunto, mas não se manifestou. A Abraciclo, que representa a indústria de motocicletas, informou que não pode fornecedor “informações sobre produto”.
Apesar do recorde, o número de recalls no país está muito abaixo do que é registrado em países de economia mais madura, como os Estados Unidos. Em 2012, a Comissão de Segurança de Produtos de Consumo americana (CPSC - Consumer Product Safety Commission) registrou 375 chamamentos para produtos como roupas, eletroeletrônicos, móveis, produtos infantis e esportivos. Remédios, veículos e alimentos têm outros reguladores e, por isso, não estão incluídos nesse número. No mesmo período, o Brasil teve um total de registro de 65 recalls.
— Nossa cultura é muito diferente da americana. O brasileiro tende a, primeiramente, achar que o problema foi causado por ele mesmo. E, como nos EUA as multas são muito mais rigorosas e o recall muito menos oneroso do que ter de pagá-las, assim como as indenizações, se convoca muito mais. Além disso, eles fiscalizam muito mais, e recolhem amostras de produtos com frequência para realizar testes e identificar problemas — destaca Andrea.
No Brasil, o recall está regulamentado pela Portaria 487, de 15 de março de 2012. O texto estabelece regras para a convocação. Ao identificar um problema, o fornecedor deve avisar imediatamente o DPDC, os órgãos estaduais, do Distrito Federal e municipais de defesa do consumidor, como os Procons, o órgão regulador, além do consumidor, claro.
Regras próprias para alimentos
O consumidor, aliás, deve ser informado sobre as formas, locais e horários de atendimento disponíveis e duração média do atendimento; defeito apresentado, riscos e implicações; medidas preventivas e corretivas que deve tomar; medidas a serem adotadas pelo fornecedor; informações para contato e locais de atendimento para o reparo.
A portaria não estabelece prazos para o cumprimento do recall. No entanto, o diretor do DPDC lembra que a empresa que não realizar o chamamento quando necessário ou o fizer de forma incompleta pode ser multada em até R$ 6,3 milhões, conforme prevê o CDC.
Fonte: O Globo - Online
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