O panorama não deve ser diferente este ano: de janeiro a julho, 334 unidades foram retomadas, o equivalente a 64% do total registrado em todo o ano passado.
A alienação fiduciária, operação financeira criada em 1997, facilitou a retomada do imóvel pelo banco em caso de inadimplência ao permitir que esse processo aconteça de forma extrajudicial, via cartório. Antes, o processo tinha necessariamente de passar pelos tribunais e poderia se prolongar por anos. A operação consiste em dar o imóvel como garantia do pagamento do financiamento concedido pelo banco. Até que a dívida seja quitada, o banco detém a propriedade do bem, enquanto o comprador tem apenas a posse da unidade, que é o direito de usufruir do bem.
Caso o comprador fique inadimplente, ou seja, não pague as parcelas da dívida por três meses seguidos, o banco pode intimá-lo a pagar o valor total das parcelas atrasadas, com correção de juros e aplicação de multa. A partir dessa notificação, o comprador tem 15 dias para quitar o débito. Caso não realize o pagamento, o banco pode então solicitar ao cartório a propriedade definitiva do imóvel, que é concedida automaticamente, e em seguida, por meio de uma ação judicial, a instituição retira do comprador o direito à posse do bem.
Crise impulsionou aumento
De acordo com o levantamento da Arisp, a quantidade de imóveis retomados pelos bancos na cidade saltou de 15 unidades em 2006 para 120 unidades em 2007. Esse crescimento foi impulsionado pelo aumento do volume de crédito e de unidades financiadas no país a partir de 2004, que passou a se intensificar a partir de 2006. Nos anos seguintes, o número de unidades retomadas pelos bancos só aumentou até praticamente dobrar de 2011 para 2012, de 190 para 389 unidades.
Em 2013, ano que registrou recorde histórico de imóveis financiados no país, foram retomados 461 imóveis na cidade. No entanto, a partir de 2014, mesmo com a desaceleração das vendas do mercado imobiliário, o volume de imóveis retomados continuou a aumentar, assim como neste ano.
O fraco desempenho da economia, a elevação dos juros e a inflação em alta deixaram o orçamento do brasileiro mais apertado, tornando complexa a tarefa de pagar em dia as parcelas do financiamento. Com o aumento do nível desemprego neste ano, a situação ficou ainda pior.
Banco não é obrigado a negociar
De acordo com o advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, o banco não é obrigado a negociar com o cliente o valor do débito. “Geralmente, não há negociação. A lei e o histórico de decisões na Justiça apontam que esse é um direito do banco”.
Por isso, Tapai recomenda que, em vez de esperar por um acordo ou negociação, que provavelmente não irá se concretizar, o comprador busque regularizar sua situação financeira antes de ser notificado. “É mais prudente buscar alternativas, como vender outros bens para quitar o débito.”
Outra possibilidade é vender o imóvel e transferir a dívida. Mas, para fazer essa transferência, o banco terá de aprovar a concessão do crédito para o novo comprador. “Isso pode complicar a venda, que pode não ser concluída até que o consumidor seja notificado”, diz Tapai. Portanto, o ideal é que o comprador busque soluções assim que perceber a existência do risco de não conseguir pagar a dívida, explica o advogado.
Restituição integral dos valores pagos não é garantida
Além de perder o imóvel, não há garantia de que haja restituição integral do valor já pago pelo comprador ao banco. Isso porque, ao retomar o imóvel, o banco deve, obrigatoriamente, realizar dois leilões. Se não conseguir vender o imóvel no primeiro leilão, no segundo o banco pode, em tese, vende-lo por um valor mais baixo, suficiente para quitar a dívida do comprador, diz Tapai.
Ou seja, o imóvel pode ser leiloado por um preço bem abaixo de seu valor de mercado. “Essa estratégia é interessante para o banco, que consegue vender o imóvel mais rápido. No entanto, o comprador tem prejuízo, pois pode receber um valor inferior à quantia já paga ao longo do financiamento”, diz o advogado.
Ele cita como exemplo um comprador que já pagou 100 mil reais de um financiamento de 200 mil reais. Caso o imóvel seja leiloado por 130 mil reais, o banco ficará com os 100 mil reais necessários para quitar o saldo devedor do financiamento, enquanto o comprador receberá apenas os 30 mil reais adicionais.
Apesar de ser possível entrar com uma ação judicial para questionar o valor pelo qual o imóvel foi leiloado, caso o preço de venda fique abaixo do valor de mercado da unidade, não há garantia de que o comprador ganhe a causa, diz Tapai. “Não há um histórico claramente favorável ao comprador nesse caso”.
Fonte: Exame
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