Enquanto as empresas de telefonia celular foram rapidamente ocupando
todos os cantos do País, a ponto de já existir mais telefones que
brasileiros, as instituições financeiras ainda não conseguiram alcançar
cerca de 30% das famílias brasileiras. Ou seja, praticamente uma em cada
três famílias está à margem do sistema financeiro. Número que afeta
diretamente o crédito e faz com que 17% dos brasileiros ainda comprem
"fiado", ou "na caderneta" em estabelecimentos Brasil afora.
Os
números fazem parte de uma pesquisa inédita feita no Brasil pela
Fundação Bill & Melinda Gates e a Bankable Frontier Associates, e
que foi analisada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa conclui
que a exclusão está diretamente ligada à renda e à falta de
contracheques. A lacuna tão grande parece se originar de desconfiança
mútua.
Se de um lado estão os bancos, que não emprestam para quem
não tem contracheque, temendo calotes, de outro estão clientes como
Maria Cristina Santos, 38 anos, moradora da favela de Heliópolis, que
tem a sensação de que a estão roubando no banco e prefere deixar o
dinheiro que ganha em casa.
Maria se vira de todos os jeitos. Faz
limpeza em um hospital da capital paulista e vende produtos da Avon, O
Boticário, Natura e, em breve, Jequiti. Na 25 de Março, famosa rua de
compras de produtos a preços de atacado de São Paulo, só usa cartão de
crédito American Express, coisa chique e exigência dos lojistas. Tem
ainda cartão Mastercard da Magazine Luiza e Lojas Pernambucanas.
Mas
e conta no banco? Só para sacar o dinheiro do salário que recebe do
hospital. Investimentos? Apenas em produtos das marcas que vende ou
guarda o dinheiro numa bolsinha, que fica dentro do armário, quase como
se fosse no colchão. Poupança? Nem pensar, não rende nada, segundo ela.
"Coloquei R$ 50 há uns meses e agora fui olhar a conta e tem R$ 51.
Banco rouba muito."
O hábito de poupança financeira de fato ainda
é muito pequeno no Brasil. A conta poupança atinge apenas 34% da
população, enquanto a previdência chega a 26%. O professor da FGV que
liderou as análises da pesquisa, Lauro Gonzalez, diz que a população
ainda sente mais segurança investindo em cabras ou deixando o dinheiro
no colchão. "As pessoas esquecem que as cabras morrem, a traça corrói o
colchão e, nas crises, a cabra vale menos", diz.
Faixa
E
essas crises afetam diretamente a capacidade de pagamento das pessoas.
Uma pesquisa realizada pela consultoria Plano CDE, especializada em
baixa renda, mostra que é comum as pessoas mudarem de faixa de renda com
a diferença de poucos meses. Se em janeiro estão na classe C, podem
facilmente cair para a E em março.
Mesmo o governo federal sabe do
risco que é financiar a base da pirâmide, tanto que na faixa 1 do
programa Minha Casa, Minha Vida o risco de calote é assumido pelo
Tesouro.
Os bancos, mesmo os
públicos, apesar de terem agregado uma boa parcela da população nos
últimos anos à sua rede, só agora começam a ter programas que podem
levar trabalhadores informais de forma mais massificada para o sistema
financeiro. E depois dos correspondentes bancários - que em boa parte
serviram apenas para desafogar as agências bancárias do fluxo de pessoas
realizando pagamentos - os telefones celulares podem ser a nova
fronteira da inclusão financeira.
Duarte Carvalho, da consultoria
Roland Berger, diz que essa tecnologia pode baratear os custos dando
escala. O Banco do Brasil, por exemplo, está testando um produto em que
seus clientes, que são patrões, podem em vez de sacar o dinheiro
transferir o pagamento para o celular de seu prestador de serviço, que
por sua vez passa a ter uma conta no BB e ainda poderá usar o celular
para fazer saques. O próximo passo é usar o celular para pagar contas e
ainda ganhar créditos para ligações. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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