segunda-feira, 20 de abril de 2015

Operadoras mudam regra e bloqueiam uso excedente de internet no celular

Marcelo Rocha Cecilio, morador do Engenho Novo, contratou, no primeiro semestre do ano passado, um plano de telefonia móvel da operadora Vivo por R$ 51,90 mensais para o celular do filho adolescente. Entre outros serviços, o pacote dava ao garoto o direito de usar 500MB de internet por 30 dias e, quando esgotados, poderia continuar navegando em velocidade reduzida. Mas em fevereiro, ao contrário do que vinha ocorrendo até então, quando o limite da franquia se esgotou, após 13 dias de uso, a navegação foi suspensa.
O motivo foi a mudança do modelo de cobrança de internet móvel implantado gradualmente pela Vivo e pelas outras três maiores operadoras do país — Claro, TIM e Oi — a partir do fim de 2014. Pelo novo sistema, depois que a franquia contratada termina, o serviço é cortado. Caso queira acesso à internet antes da mudança do mês, o consumidor precisa comprar mais créditos.
Foi o que fez César Romanel, cliente pré-pago da Oi. Pelo sistema antigo, ele pagava R$ 6,90 por semana para navegar na web. Com a mudança, seu gasto dobrou, pois a franquia acaba em três ou quatro dias, e ele precisa fazer uma nova contratação para continuar navegando.
IRREGULARIDADES
Para entidades que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), coordenado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), além de trazer mais custos para os usuários, a mudança foi implementada com uma série de irregularidades, como descumprimento de oferta, quebra unilateral de contrato e falta de clareza e transparência.
— Há uma falha gigante no modelo de oferta de internet móvel no país. As empresas têm o direito de mudar o modelo de negócios. Mas, neste caso, os consumidores foram induzidos ao erro, pois a oferta inicial, quando da contratação, não previa cortes — explica a titular da Senacon, Juliana Pereira. — O SNDC vai priorizar a fiscalização das publicidades de oferta de internet móvel, que terão de ser padronizadas. Não vamos tolerar o uso de expressões como ilimitada, infinita, pois a franquia tem uma capacidade de entrega — avisa.
Romanel e Cecilio garantem não terem sido comunicados da mudança.
— Fui pego de surpresa. Me senti enganado, impotente e sem opção, já que as quatro operadoras alteraram as regras ao mesmo tempo. Ainda não sei o que fazer, se mudo de operadora ou plano, pois nem ao menos consigo ser atendido pelo SAC da Vivo — conta Cecilio.
O vice-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Marcelo Bechara, esclarece que este tipo de mudança não necessita de autorização da agência, pois a reguladora não tem interferência no modelo de negócio das empresas. Ele explica que a agência não é contra a mudança, mas tem críticas à forma usada para comunicar as novas regras aos consumidores.
As quatro empresas informaram os clientes sobre a mudança por torpedo, 30 dias antes da alteração. O artigo 52 do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Telecom (RGC) permite comunicar mudanças no contrato por mensagem de texto. Mas Bechara considera que as operadoras interpretaram a regra de forma inadequada:
— Este artigo é para regular questões genéricas e singelas. O que não é o caso. Cabe às empresas ter bom senso. Elas erraram na comunicação. Deveriam ter adotado um processo de transição educativo, implementando call centers para prestar informações, fazendo campanha ostensiva com orientações, inclusive em seus sites, além de procurar Anatel e Senacon para ajudar. Mas nada disso foi feito.
O vice-presidente da Anatel disse ainda que, até o fim deste mês, será fechado um acordo com as quatro empresas para que esclareçam seus clientes sobre a alteração dessas regras:
— O consumidor tem de saber quanto consumiu e como, por meio de aplicativos e ferramentas que até existem, mas não são divulgadas. Faltou explicar tudo isso.
Em fevereiro, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon notificou as quatro operadoras para que prestassem esclarecimentos sobre a mudança. Todas se explicaram e as justificativas estão sendo analisadas. Se forem encontradas irregularidades, as empresas poderão ser multadas. Mas o diretor do departamento, Amaury Oliva, adianta um ponto crítico. Para ele, a campanha sobre a mudança foi inversamente proporcional à que as operadoras fizeram para vender a ideia de que os clientes teriam acesso ilimitado à internet.
— Durante anos as operadoras ofereceram uma série de pacotes ilusórios. O consumidor pagava a franquia e podia acessar o mundo. Isso criou uma falsa expectativa, e ele achou que realmente era ilimitado. Além de terem de fazer uma campanha em massa sobre a mudança, precisam ajudar o consumidor a entender o que é um pacote de dados e explicar o que ele pode fazer com o que contrata de cada pacote.
Na análise de Bechara, a mudança ocorreu por duas razões. Primeiro, porque houve uma explosão do consumo de dados no ano passado, com o crescimento dos usuários de 3G e migração de outros para o 4G, que é mais veloz e induz ao consumo de mais dados. E mais gente navegando na velocidade reduzida, quando a franquia termina, significa mais pessoas ocupando um espaço significativo na rede, comprometendo a navegabilidade de quem está usando o que foi contratado. Além disso, diz, a receita das empresas está migrando para o uso da internet móvel, e elas tiveram de reajustar a cobrança.
Para a pesquisadora e porta-voz para assuntos de telecom do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Cristiana de Oliveira Gonzalez, as empresas estão transferindo para os clientes os custos de uma obrigação delas: investir para aumentar a capacidade de tráfego de dados.
Ela diz que o RGC dá ao usuário o direito de navegar com velocidade reduzida. Por isso, as mudanças feitas pelas operadoras, sem consultar os clientes, podem caracterizar alteração unilateral do contrato, prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. Com esse argumento, o Procon-RJ recorreu à Justiça contra as empresas. A ação, ainda sem julgamento, pede que os consumidores continuem com o acesso à internet, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.
Juliana, entretanto, alerta que essa interpretação é questionável porque, como os contratos são por tempo indeterminado, a tendência dos tribunais é entender que eles podem ser alterados:
— É uma discussão jurídica que pode levar anos.
EMPRESAS ALEGAM MELHORA NA QUALIDADE
A Vivo informou ter entrado em contato com Cecílio para orientá-lo sobre o plano, e que discute com a Anatel, Ministério das Comunicações e Senacon um novo plano de comunicação para os usuários. Segundo a operadora, a mudança atinge os clientes pré e controle e será implementada nos próximos meses nos pós-pagos.
A Claro informa que o bloqueio de dados é aplicado para os planos pré e controle, e nos novos planos Claro Online Max, do segmento pós, que atingem o limite do pacote. Acrescentou que oferece ferramentas gratuitas de consulta do saldo do pacote e que, de 2012 a 2014, investiu mais de R$ 6,3 bilhões para melhorar o acesso à internet móvel. Segundo a Claro, “a possibilidade de se manter a redução de velocidade ao término da franquia transmitia uma falsa percepção de má qualidade do serviço”.
A Oi argumenta que a mudança, aplicada aos clientes dos planos pré e controle, já é usual em vários países do mundo e, com ela, há melhoria na qualidade da navegação. A operadora informou, ainda, que além de enviar SMS, anunciou a mudança em anúncios nos grandes jornais.
Na TIM, a alteração atingiu clientes dos planos pré e do pós Liberty (+50, +100, +200, +400 e +800) de Pernambuco, Rio Grande do Sul e interior de São Paulo (área 019). Segundo a operadora, o objetivo foi melhorar a qualidade da navegação, e os clientes podem acompanhar o consumo de dados por meio de envio de SMS com o pedido à operadora
Fonte: O Globo

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