O texto final, que foi comemorado por entidades sociais e
de defesa do consumidor, deu uma forma mais precisa à neutralidade da
rede — conceito pelo qual dados não podem ser diferenciados pelo seu
conteúdo. Para Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação
e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e membro do Comitê Gestor da
Internet (CGI.br), a regulamentação mantém a liberdade dos usuários da
internet ao acesso de tudo o que estiver disponível na rede, sem
discriminações.
— O Marco Civil e o decreto visam a proteger a
internet do jeito que conhecemos, como uma vacina para eventuais
problemas. Ele não veio para tirar liberdades, mas preservá-las — disse
Getschko.
Porém, de acordo com a compreensão de alguns autores do
texto e de operadoras de telefonia, há limitações no Decreto 8.771 para
negócios entre teles e empresas de internet. Conforme esse entendimento,
acordos como o da TIM e da Claro com WhatsApp e Facebook, para que os
serviços sejam ilimitados, não seriam permitidos pela regulamentação.
Na
lei, era prevista apenas a vedação a acordos entre empresas com relação
à “priorização discriminatória de pacote de dados”. Agora, foram
vetadas “condutas unilaterais ou acordos entre o responsável pela
transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e os provedores de
aplicação que comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à
internet”. Esse trecho é considerado de interpretações múltiplas pelas
teles.
De acordo com Rafael Zanatta, advogado do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por esse texto, acordos
comerciais que privilegiem aplicações de vídeos, música ou qualquer
outro serviço não são permitidos, o que reforça o posicionamento de
vanguarda do Brasil no tema. Essa também é a interpretação de uma fonte
ligada às operadoras, pela qual o decreto afetaria o “modelo de
negócios” das operadoras. Procurado, o Sinditelebrasil, que representa
as teles, disse que ainda não há uma posição comum do setor sobre o
texto, portanto, não vai comentar.
Para Getchko, porém, seria,
sim, possível às teles oferecerem só um serviço ou aplicativo específico
em detrimento do acesso à internet como um todo. Segundo ele, isso não
caracterizaria a oferta de acesso à internet — sobre a qual não pode
haver diferenciações —, mas de um aplicativo apenas.
O texto
também colocou o CGI.br, um organismo privado mais plural e com mais
organizações sociais, como uma espécie de orientadora da internet no
Brasil, e não a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Para as
empresas, há aí uma outra dúvida: como, na prática, uma agência de
Estado se submeterá a uma entidade privada?
ESTRANGEIRAS JULGADAS NO PAÍS
O
decreto também impõe normas e tribunais brasileiros a empresas que
atuam aqui, mas não têm representação no país, como aplicativos de
celular e redes sociais. Na interpretação de servidores que trabalharam
na elaboração do texto, ele tende a reduzir os conflitos judiciais
envolvendo empresas de internet.
— O Marco Civil foi feito para
que você não perdesse liberdade de ter acesso a todos os pacotes (de
dados), produtos e todos pudessem criar novas informações na internet —
disse Getchko, considerado um dos pais da internet no país.
Ao
longo de sua elaboração, o Marco Civil foi, desde o anteprojeto, alvo de
uma série de consultas públicas por diferentes organismos públicos e
privados. Só na fase de regulamentação, recebeu mais de 2.500
contribuições de cidadãos, empresários, ativistas e acadêmicos.
A pressa do governo Dilma em publicar a regulamentação como um
de seus últimos atos tem relação com os apoiadores de Temer e as forças
políticas que vinham se articulando no Congresso para alterar previsões
do Marco Civil. Há poucos dias, por exemplo, a CPI dos Crimes
Cibernéticos na Câmara dos Deputados aprovou relatório com previsões
mais restritivas do que aquelas incluídas no Marco Civil.
Fonte: O Globo
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