A
mestre em Ciências Cláudia Abreu pode ter os dados de sua tese de
doutorado perdidos, e teme ter sofrido violação de seus dados pessoais e
do Imposto de Renda. O ator e produtor teatral Jorge Caetano Rocha por
pouco não perdeu o prazo de concorrer a um edital de uma produção
teatral. Isso porque seus computadores, ambos novinhos em folha, usados
como instrumento de trabalho, deram pane e não receberam a assistência
técnica devida. A demora no conserto e a falta de suporte técnico já
apresentam reflexos até no Judiciário. Segundo especialistas, as
fabricantes de computadores têm desrespeitado o prazo de 30 dias para
solucionar defeitos, estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor
(CDC)
— Estamos discutindo a criação de um decreto com uma lista
de produtos essenciais para os quais haveria troca imediata nos quais os
itens de informática estariam incluídos, e as empresas não conseguem
cumprir sequer os 30 dias de lei criada há 25 anos. É inadmissível — diz
Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec).
DIFERENÇA DE TRATAMENTO AQUI E LÁ FORA
Outro
problema apontado é a expectativa de vida útil do produto. Dois meses
após o fim da garantia, um computador da Apple comprado por R$ 6 mil
pela advogada Adriana Loriato para seu filho começou a apresentar
problemas no monitor. Para agendar a assistência técnica, ela conta que
precisou entrar madrugada adentro no site. O resultado do atendimento
deixou a desejar:
— Disseram que podia ser sujeira, levaram o
equipamento, limparam e mandaram de volta para casa para testar. Como o
problema continua e eles não dão diagnóstico, a orientação é trocar a
tela, com custo de R$ 1.400. Para mim, isso parece obsolescência
programada. Não se consegue falar com a Apple. É preciso mudar esta
postura de falta de informação.
Segundo o juiz Flávio Citro,
coordenador do Programa de Solução Alternativa de Conflitos do Tribunal
de Justiça do Rio, a Apple, assim como outras empresas, pratica
políticas diferentes de pós-venda no Brasil e no exterior.
— Não
tem comparação o tratamento dado. E tudo isso é levado em consideração
pelo juiz ao avaliar um processo: a conduta e a postura da empresa e o
resultado final para o consumidor. A questão é que esse não é um
problema que se resolva individualmente. É preciso uma mudança de
postura das companhias e essa é uma demanda coletiva — avalia o juiz,
citando uma ação em que um cliente da Apple demorou um ano para receber
um computador que funcionasse.
A Apple diz não falar sobre casos
particulares, mas informa que já está em contato com Adriana. A empresa
também não comenta ações judiciais.
De acordo com a promotora
Christiane Cavassa Freire, coordenadora do Centro de Apoio das
Promotorias de Justiça Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor, o órgão
tem atuado em vários casos onde há prejuízos causados pelas dificuldades
em obter assistência técnica de produtos eletrônicos e de informática
ou pelo desrespeito do prazo de conserto.
— A assistência técnica
deve ser oferecida de forma facilitada, atendendo todas as localidades
em que os produtos são comercializados e respeitando o prazo de 30 dias
para o conserto. A listagem das vitórias já obtidas pelo MPRJ está
disponível no site Consumidor Vencedor (bit.ly/1YAdxg0). Para denunciar
casos de desrespeito, basta utilizar o botão “teve o mesmo problema com
outra empresa?”, disponível em cada uma das fichas de vitória do site ou
pelo telefone 127 — orienta Christiane.
Por três dias, Jorge
Caetano não teve direito a trocar seu computador Dell por um novo. É que
o defeito só apareceu no décimo dia de uso, e até uma semana a empresa
teria trocado o equipamento sem problemas. Desde então, lá se vão quatro
meses tentando resolver a situação. No entanto, o ator e produtor
cultural queixa-se, que, até agora, a assistência técnica recebida se
resumiu a atendimentos telefônicos.
— Primeiro, alegaram que era
problema de software e a empresa não manda técnico, a não ser que seja
questão de hardware. Mas o software veio instalado na máquina, querem
que eu discuta com a Microsoft? Depois queriam trocar peças, mas meu
computador é novo. Estou pasmo com a falta de respeito e de interesse em
resolver o problema — queixa-se o ator.
A Dell informa que o
cliente, que já pensava em engrossar a fila da Justiça, será contatado
até o fim do dia para resolução definitiva do caso.
Segundo os
especialistas, há nesse rol inclusive casos de propaganda enganosa. Como
o da professora Cláudia Abreu que só comprou o computador da Lenovo
após receber do vendedor a garantia de que, em caso de necessidade, um
técnico iria à sua residência — como pregavam propagandas da empresa com
o slogan “Lenovo em casa”. No entanto, a empresa não tem, sequer,
assistência técnica no Rio e a consumidora foi obrigada a embalar o
computador por conta própria e enviá-lo a São Paulo.
— Ganhei o
computador de presente de aniversário, em 21 de junho. E escolhi o que
havia de melhor: um All-in-One da Lenovo, touchscreen e 3D. No dia 17 de
agosto, como ele não ligava, busquei ajuda de um técnico. Para minha
surpresa, fui informada que deveria enviá-lo a São Paulo — conta a
professora.
TEMOR DE EXTRAVIO E BRIGA NA JUSTIÇA
Além
de ter ficado sem o equipamento, toda a confusão a obrigou a trocar
todas as senhas referentes a seus logins em bancos, lojas, sistemas de
pagamento on-line e lhe rendeu uma distensão por transportar um volume
de quilos. Acostumada a entrar em contato com empresas para resolver
problemas de relação de consumo, Cláudia decidiu desta vez acionar a
Justiça.
— Até hoje não recebi uma ligação para falar da devolução
do computador. Desisti do equipamento, quero meu dinheiro, o HD intacto
e indenização por perdas e danos.
Carlos Thadeu, do Idec, lembra que propaganda enganosa é crime:
—
Num caso como esse, o juiz pode inclusive prender um representante da
empresa. É preciso mais força do Estado para fazer cumprir a lei.
A
Lenovo disse ter entrado em contato com a cliente e acordado a
restituição do valor pago pelo equipamento em 20 dias úteis, contados a
partir do envio da documentação solicitada. Cláudia, porém, afirma não
ter nenhum interesse em acordo. A maior preocupação dela é o paradeiro
do HD e dos dados contidos nele. Ela teme que o equipamento tenha sido
extraviado, apesar de ter rastreado o produto pelo site dos Correios até
sua retirada em São Paulo.
Fonte: O Globo
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