— De certa forma isso não é certo. Você fica bonita ali, experimentando a roupa, mas depois, ao experimentar em frente ao espelho de casa, não vai conseguir o mesmo resultado. Nunca cheguei a desgostar de uma peça em casa, mas é diferente quando a visto fora da loja.
Já a auxiliar de serviços gerais Angela Maria da Silva, de 37 anos, fica com as peças, mesmo aquelas que desaprova ao vestir em casa.
— Já aconteceu comigo de vestir uma roupa em casa e não gostar. Mas eu acabo ficando com a roupa, depois, dou para alguém. Ter de voltar à loja é difícil — afirma Angela.
Especialistas falam em má-fé
A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) classifica como um desrespeito, e até mesmo “falta de ética”, o uso de artifícios que “iludam” o consumidor. Para o presidente da entidade, Roque Pellizzaro Jr., optar por espelhos que distorçam a imagem de quem experimenta uma peça não é uma prática aconselhável e é rechaçada pela entidade:
— Recomendamos que o cliente saia satisfeito da loja, e essa sensação tem de ser perene. Ele tem de chegar em casa e continuar satisfeito.
A intenção do lojista ao escolher as estratégias de venda deve ser avaliada para saber se ele agiu com má-fé, para ludibriar o consumidor, afirma o advogado Vinicius Zwarg, especialista em direito do consumidor. Ele destaca que a boa-fé — o vendedor ser leal com o consumidor — é um princípio do Código de Defesa do Consumidor (CDC):
— Se não tem boa-fé, se a prática for deliberadamente para enganar o consumidor, isso fere o CDC. Sempre existe um limite. Alguns artifícios, por mais que a gente entenda como não sendo os mais desejados, talvez não sejam ilegais. Por outro lado, existem práticas a serem discutidas. Qualquer situação em que faltar boa-fé deve ser condenada, e o CDC trabalha muito com esse princípio, que a gente pode traduzir como ausência de lealdade, frustrando a confiança do cliente.
Já as estratégias de iluminação das lojas e provadores são defendidas por Pellizzaro, que afirma que essa ferramenta de venda não ilude o consumidor, apenas destaca as mercadorias e cria um ambiente compatível com a marca:
— Isso é muito válido, porque a ambientação faz parte do relacionamento entre loja e cliente.
Zwarg também destaca que não é um desrespeito ao CDC o lojista usar artifícios para embelezar seu produto. Mas afirma que é preciso informar o consumidor sobre a existência dessas estratégias, para garantir uma relação mais equilibrada entre lojista — que conhece muito bem os pontos positivos e negativos de seu produto — e cliente.
— Isso torna a roupa mais bonita? Sim, o ser humano associa assim. Há algo ilegal? Não. Não é ilícito você tornar aquilo mais bonito. Uma iluminação, uma música, uma publicidade, o Direito entende que é lícito. O que precisa é entender que isso existe. Formar a sociedade de consumo para enfrentar isso. Entender que é normal que a publicidade mostre que o produto é bonito — ressalta o especialista.
Zwarg destaca, porém, que a má-fé não se presume, é preciso comprová-la. Ele avalia que o caso de “espelhos emagrecedores”, por exemplo, pode ser entendido como uma estratégia que vai além das práticas saudáveis de venda.
— Se isso foi premeditado, a compra de um espelho, pode ser questionada por tentar ludibriar o entendimento da pessoa sobre a compra, pois ela não fez daquela compra com consciência — explicou o advogado. — Tudo tem um limite. A linha é tênue sobre o que é válido e o que não é.
Nos casos em que o consumidor se sentir iludido no ato da compra e entender que foi rompida sua confiança em relação ao lojista, Pellizzaro afirma que a situação deve ser resolvida de forma amigável, e que essa é a recomendação da CNDL. Ele destaca que pela lei, se não há defeito no produto comprado presencialmente na loja, o estabelecimento não é obrigado a trocá-lo, embora a maioria permita trocas para agradar o freguês.
Zwarg destaca, caso perceba que o lojista usou táticas antiéticas ou ilegais, deve comprovar isso, e abrir um processo contra a loja.
Algumas marcas utilizam o tamanho das roupas como uma forma de fazer um carinho no ego dos clientes, especialmente as mulheres, usando medidas maiores que o usual em manequins menores — uma mulher que veste 42 sair da loja feliz da vida, por exemplo, leva uma calça com etiqueta 38. Flávio Sabrá, gerente de Inovação, Estudos e Pesquisas do Senai Cetiqt, diz que pesquisas mostram que a circunferência dos brasileiros está ficando maior e as marcas vêm adaptando sua tabela de manequins para acompanhar esse processo. Mas ele reconhece que algumas marcas omitem essas mudanças para se adequarem à expectativa que seus clientes têm do próprio corpo, de modo a agradá-los:
— A marca muitas vezes pretende atender a um público específico. Psicologicamente, a pessoa não deseja usar um tamanho que não considera ser o seu. A marca muda o tamanho para atender a esse padrão de beleza. A indústria, às vezes, pode trabalhar com tabela de tamanhos para medidas diferentes, para atender à parte psicológica à venda.
O especialista destaca que seria mais ético se as lojas informassem mudanças nos tamanhos dos manequins. Ele lembrou que a fidelização das marcas pelos clientes passa por vários caminhos e que um deles pode ser essa sensação de bem-estar em vestir um manequim menor.
A advogada Janaína Alvarenga, da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania (Apadic), diz as lojas nunca admitem o uso de modelagem maior:
— No máximo, a vendedora diz que o modelo tem um corte diferente, nunca que a marca adota uma numeração diferenciada para a sua modelagem e isso certamente é uma informação viciada.
Pellizzaro reconhece que há discrepância nos tamanhos dos manequins de roupas no país, mas afirma que não é um artifício para levar o cliente a crer que está mais magro. A diferença no tamanho de uma mesma numeração de roupa de uma loja para outra decorre da falta de padronização dos manequins no Brasil, o que é um problema para o setor e está em discussão.
— Deveria haver informações. Mudar o tamanho dos manequins sem avisar é não ser transparente. Nos dias de hoje, quanto mais fiel você for, mais o cliente vai voltar — diz Sabrá.