Pelo menos uma vez por mês, a fisioterapeuta Clara Daguer precisa fazer uso de uma vacina para tratar sua alergia, mas na hora de realizar o descarte, ela se sente perdida, apesar de já ter buscado orientação.
— Tomo essa vacina há uns sete anos, mas nunca consegui saber exatamente qual é a melhor forma de jogar esse material fora. O técnico de enfermagem que aplica a injeção falou que é importante sempre separar a agulha da seringa e depois enrolá-la num jornal para não correr o risco de machucar alguém. Mas jogo no lixo comum e não sei se essa é a maneira ideal. Acho que falta informação de uma maneira geral para o descarte de medicamentos — diz Clara.
A melhor forma para descartar remédios e resíduos gerados por eles, que podem causar risco à sociedade e ao meio ambiente, de fato ainda é um assunto em debate. No mês passado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) fechou um edital para um acordo setorial entre fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes de medicamentos que têm a responsabilidade compartilhada por toda a cadeia desses produtos, da fabricação ao descarte, e recebeu três propostas que estão sendo analisadas. O acordo reúne representantes dos ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Agricultura e Abastecimento e Fazenda. O foco da regulamentação são justamente medicamentos domiciliares de uso humano, vencidos ou em desuso, já que os descartados por prestadores de serviços já têm seu ciclo programado. Mas o descarte de objetos perigosos, como agulhas e seringas, não foi contemplado no edital.
— A seringa, algumas vezes, é vista como uma embalagem primária, mas de uma forma geral esses objetos não foram pensados nesse primeiro momento — admite Zilda Veloso, diretora de Ambiente Urbano, do MMA.
Descartar itens perigosos, em geral, não é tarefa fácil, nem para o cidadão mais consciente dos riscos envolvidos para o meio ambiente e para a sua saúde, diz João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
— O consumidor está mais consciente e, por isso, muitas vezes, acaba acumulando em casa eletroeletrônicos, celulares, baterias e pilhas pela dificuldade em encontrar locais adequados para o descarte. O ideal seria uma política de maior diversidade de pontos que incluísse prefeituras, indústria e comércio para facilitar a entrega — sugere Amaral, ressaltando que, a partir de 2015, o descarte das lâmpadas fluorescentes será um problema crescente.
— É que só este tipo de lâmpada poderá ser vendido no país, o que é um ganho em economia de energia, mas é um problema em relação a descarte já que ela tem mercúrio, e só a quebra da lâmpada pode causar problemas respiratórios. Será preciso criar um modelo de logística reversa também para este produto.
Discussão envolve vários setores
No caso específico dos medicamentos, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, as propostas para o edital foram enviadas por um grupo composto pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma), Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC); um segundo, formado por Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), que reuniu para criar essa proposta mais oito associações nacionais do setor; e o terceiro, formado pela Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma) e Associação Brasileira dos Distribuidores de Laboratórios Nacionais (Abradilan).
— Em um primeiro momento essas três propostas não atendem plenamente ao edital, mas ainda estão sendo analisadas, inclusive pelo Comitê Orientador para Implantação dos Sistemas de Logística Reversa. As propostas põem, inclusive, alguns empecilhos para o compromisso do acordo — adianta Zilda.
O presidente executivo da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, informa, no entanto, que, mesmo não sendo um serviço obrigatório, muitas farmácias e drogarias já recebem medicamentos para descarte:
— Desde 2009, algumas redes já trabalham com esse sistema. É um processo custeado pelas empresas e tem custo alto. Temos que fazer algo viável para farmácias grandes e pequenas.
Segundo Barreto, é preciso haver maior interação entre fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, poder público e sociedade:
— A indústria tem um pensamento medíocre, acha que depois que deixa o produto na farmácia, não tem mais nada com isso. A Anvisa não quer que esses resíduos sejam descartados em um aterro comum e isso é um problema, porque o Brasil é muito grande e não é em todo lugar que existe um aterro sanitário próprio, o que torna esse processo inviável economicamente. O nosso desafio é construir um processo que seja barato e que consiga trazer todos os envolvidos nesse ciclo.
O diretor executivo da ABCFarma, Renato Tamarozzi, defende que a iniciativa seja voluntária:
— Hoje, no Brasil há cerca de 70 mil farmácias e drogarias. A nossa ideia é que esse recolhimento seja voluntário, até para funcionar melhor.
Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma, por sua vez, é a favor de que haja uma classificação de produtos antes do descarte.
— A indústria farmacêutica apoia a iniciativa que leva o consumidor a dar uma destinação correta ao uso do medicamento e ao seu descarte. Porém, o setor farmacêutico, como um todo, não chegou a um acordo, mas conseguimos uma alternativa: o consumidor entrega o medicamento vencido ou em desuso à farmácia, que repassa à indústria e essa leva a um aterro sanitário de nível 1 ou para a incineração. Mas a ideia é classificar os produtos antes de tudo. É preciso estudar com os ministérios e com os órgãos públicos a necessidade de fazer esse descarte — garante Mussolini.
A Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), que representa farmácias de manipulação, também diz que o recolhimento em suas lojas é opcional. O acordo tem como metas atingir, em cinco anos, 100% dos municípios com população superior a cem mil habitantes, nos quais a destinação final ambientalmente adequada deverá abranger todos os resíduos recebidos. No mesmo prazo, o acordo prevê recolher 3,79 quilos de resíduo por mês ou 237.336 quilos de resíduo por ponto de coleta por ano.
Como descartar
- Medicamentos vencidos ou em desuso: Algumas farmácias, como as das redes da Droga Raia e da Drogaria São Paulo (exceto antibióticos e tarja preta) recebem esses medicamentos.
- Seringas e agulhas (inclusive as de costura): Devem ser descartadas em um recipiente rígido, que não se rompa com impacto. Alguns hospitais, postos de saúde, farmácias e drogarias recebem esse material.
- Pilhas e baterias: A Comlurb disponibiliza cestas coletoras específicas para este tipo de produto espalhadas pela cidade. Algumas agências bancárias e empresas também recebem esse material, porém, a responsabilidade final do descarte, por lei, cabe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes
Fonte: O Globo - Online
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