O Açude Cedro, em Quixadá, no Sertão Central, é considerado um
símbolo das obras de combate aos efeitos da seca. O projeto foi iniciado
durante o Império, movido pelo impacto da chamada Grande Seca de 1877,
que provocou intenso êxodo rural e milhares de mortes por doenças, fome e
sede. A obra do açude teve início em 1890 e só foi concluída em 1906.
Hoje,
o açude é somente um símbolo. As águas do Cedro não abastecem mais a
cidade de Quixadá há pelo menos seis anos. Dos 126 milhões de metros
cúbicos da capacidade total, hoje restam cerca de 4,3 milhões. E o nível
das águas, segundo o administrador do açude, José Almir Benício, vem
caindo ao longo dos anos.
As famílias que moram às margens do
Cedro não se servem mais das águas, a não ser para pescar o
cará-tilápia. O vigilante Erasmo dos Santos, 42 anos, diz que a última
vez que viu o açude transbordar foi em 1989. O agricultor Francisco Elzo
Pinheiro da Silva, o “Chico Preto”, contou que viu as águas em seu
volume máximo há mais de 40 anos.
O Cedro foi o primeiro açude
público do Brasil e hoje é um dos 327 administrados pelo Departamento
Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), cuja atuação abrange os
estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais.
“A grande
dificuldade é água para o consumo humano, para os animais e nos
perímetros irrigados. A água é um item sobre o qual não temos comando. O
que podemos fazer é tentar construir mais e mais açudes para que
supram, na emergência da seca, o abastecimento das populações”, afirma o
diretor-geral do Dnocs, Walter Gomes de Sousa.
Criado em 1909
como Inspetoria de Obras contra as Secas (Iocs), o órgão tem uma longa
história de ações que envolveram a construção de estradas de ferro e de
rodagem e de outras obras públicas.
O diretor-geral lembra a
importância do departamento ao longo dos anos, citando a cooperação com
prefeituras para a construção de mais de 600 reservatórios e de
perímetros irrigados (área onde há sistema de fornecimento de água
vendida para a agricultura) em todos os estados em que atua - o Ceará
conta com 14.
Segundo o historiador José Weyne, professor da
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(Unilab), a inspetoria fazia açudes para enfrentar os efeitos da seca,
mas a principal preocupação, segundo ele, não era essa.
“O
projeto político da época não estava preocupado em evitar os efeitos da
seca, mas em obrigar a migração dos sertanejos. A seca em si era um
impedimento ao progresso. Boa parte dos açudes era construída em terras
particulares de coronéis e a população não conseguia ter acesso. Os
açudes eram inúteis para a população.”
No livro A fantasia desfeita
(1989), o economista Celso Furtado resume a realidade que alimentava a
chamada “indústria da seca”: “As máquinas e equipamentos do Dnocs eram
utilizados por fazendeiros ao seu bel-prazer. Nas terras irrigadas com
água dos açudes construídos e mantidos pelo governo federal, produzia-se
para o mercado do litoral úmido e em benefício de alguns fazendeiros
que pagavam salários de fome [...] Em síntese, a seca era um grande
negócio para muita gente.”
De acordo com o professor José Weyne,
Furtado fez duras críticas ao órgão no início dos anos 60. “Nessa
década, o Dnocs continua fazendo açudes que não servem para nada. Os
recursos chegam cada vez menos, pois são canalizados para a Sudene
[Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, criada em 1959], que
vira a 'menina dos olhos' do governo federal, e o Dnocs entra em
declínio”, lembra o professor. Segundo ele, o economista sugere que o
órgão se dedique a explorar a capacidade dos reservatórios hídricos para
a geração de energia e para o desenvolvimento da piscicultura e de
perímetros irrigados. O Dnocs acaba incorporando essas sugestões em nome
da própria sobrevivência.
Mais de cem anos depois de sua
criação, o Dnocs espera por uma reestruturação e pela renovação do
quadro de pessoal. Segundo o diretor-geral, o projeto depende da
aprovação do Ministério da Integração Nacional, ao qual o órgão está
vinculado.
“Temos uma empresa na qual a maioria dos funcionários
está com idade avançada, com perspectivas de aposentadoria em curto
prazo. Grande parte dos profissionais técnicos tem, em média, acima de
65 anos. Aos 70 anos, eles são obrigados a se aposentar. Estamos na
dependência dessa reestruturação e de um novo concurso que permita a
entrada de pessoas jovens, e que elas possam absorver a cultura e o
conhecimento dos que aqui estão”, disse Walter Gomes de Sousa.
Para
o especialista em Políticas Públicas André Pomponet, o processo de
reestruturação do Dnocs deve levar em conta o conjunto de políticas para
o desenvolvimento do semiárido, que também são desenvolvidas por outros
órgãos, como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene). “Em vez de cada órgão pensar a sua política setorialmente, e
às vezes caminhar em direções opostas ou até contraditórias, seria
importante pensar o conjunto das políticas de forma global.”
Ele
lamenta que ainda exista uma “pulverização” das ações do Dnocs que
beneficiam pequeno número de pessoas, em geral atores da política. “Em
vez de concentrar investimentos que contribuam para resolver o problema
de forma mais consistente, é feita uma série de intervenções pontuais
que acabam não se traduzindo em resultado mais efetivo para a
sociedade”, disse.
“O patrimonialismo que existia no passado,
muito mais frequente, foi reduzido, mas ainda há o uso político de uma
determinada intervenção do Estado”, completou.
Enquanto não sai a
reestruturação, o Dnocs organiza o planejamento estratégico para os
próximos cinco anos, propondo o seu reconhecimento, até 2020, como
instituição de referência nacional em ações para a harmoniosa
convivência com os efeitos da seca.”
De acordo com o diretor, as
críticas ao órgão devem ser levadas em conta. “Estamos sujeitos a
críticas. Se tivéssemos conhecimento de todas elas, seriam bons
elementos para a análise das nossas fraquezas. A reação da sociedade a
respeito do que estamos fazendo será levada em consideração.”
Fonte: Agência Brasil
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