segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Mais tecnologia, menos tempo de utilização


O desejo de ter produtos de última linha, com tecnologia mais avançada e maior funcionalidade, tem levado consumidores a encurtar o tempo de uso de aparelhos eletrônicos e smartphones. Esta é a principal conclusão da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em parceria com o Instituto de Pesquisa Market Analysis sobre as percepções e os hábitos dos brasileiros com relação ao uso e descarte de produtos eletroeletrônicos, digitais e celulares.
O estudo mostra que, dos dez produtos pesquisados, metade (celular, câmera fotográfica, impressora, DVD e computador) é utilizada, em média, por menos de cinco anos. O equipamento usado por mais tempo (9,5 anos) é a geladeira. A busca por aparelhos mais modernos, e não a apresentação de um defeito, é a razão da maior parcela de substituições. Entre equipamentos digitais e eletroeletrônicos esta é a motivação de mais da metade das trocas.
— A pesquisa torna clara a presença de um novo fenômeno na sociedade: a obsolescência psicológica. Ou seja, os consumidores trocam os produtos mesmo que ainda não apresentem defeitos, pressionados pelos novos lançamentos que a indústria faz num intervalo de tempo cada vez menor. Bens duráveis estão virando bens descartáveis — analisa João Paulo Amaral, pesquisador do Idec responsável pela pesquisa.
O estudo ouviu 806 pessoas, com idades entre 18 e 69 anos, do Rio e outras sete capitais brasileiras (Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo), mais Distrito Federal, entre agosto e outubro de 2013.
Aparelho espelha consumidor
Para o diretor do Market Analysis, Fabián Echegaray, este comportamento evidencia uma questão cultural, na qual o homem projeta a própria imagem no aparelho:
— Se eu não tenho um aparelho moderno, eu não sou moderno. Estou defasado. É esta a análise que muitas pessoas fazem.
A doutora em Psicologia Social e professora de Psicologia do Consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Maria Cláudia Tardin complementa:
— Portar tecnologia é um ideal valorado na nossa cultura. Quanto mais você consome, maior é o sinal de que você tem dinheiro e sucesso. Muitas pessoas nem sabem tirar proveito de todas as funções do aparelho, mas precisam realizar esta fantasia — ressalta.
O comportamento é mais comum entre os homens. A maioria dos pesquisados do sexo masculino (55%) realiza a troca para ter um produto mais atual, enquanto as mulheres tendem a trocar mais os equipamentos por motivo de problemas no funcionamento (60%). Computadores, celulares, lavadoras de roupas e impressoras são os aparelhos que mais apresentam problemas. Um em cada três celulares e eletroeletrônicos são substituídos por falta de funcionamento e três em cada dez eletrodomésticos são trocados por apresentarem defeitos. Fogão, geladeira, câmera fotográfica e micro-ondas são os que menos apresentam defeito, segundo a pesquisa.
Outro dado que chama a atenção é a baixa procura por assistência técnica, principalmente em caso de mau funcionamento de celulares. Dos entrevistados, 81% responderam que trocam o aparelho sem saber se é possível consertá-lo. Os eletroeletrônicos são os equipamentos para os quais mais se busca assistência técnica. Mas, ainda assim, o índice de procura pelo serviço não é relatado sequer pela metade dos entrevistados (44%).
Assistências pouco ágeis
Para o diretor da Market Analisys, a ausência de assistências técnicas de determinadas marcas em algumas cidades justifica a baixa procura. A pesquisa também mostrou que os consumidores que buscam assistência, mas desistem do conserto, geralmente, o fazem pelo preço elevado ou pela demora no reparo.
— No caso dos celulares, é inviável uma pessoa ficar 30 dias sem o aparelho. As assistências deveriam adotar o modelo dos seguros de automóveis, que dão um carro reserva — sugere Echegaray.
Para a titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, Juliana Pereira, no caso de produtos com defeitos dentro do prazo de garantia, a responsabilidade pelo reparo é tão somente da indústria:
— As assistências técnicas são apenas mais uma vítima da indústria. Para realizar um conserto dependem de peças que são produzidas pelo setor.
Juliana relata que há oito meses a Senacon discute com fabricantes formas de tornar o próprio ponto de venda um canal de atendimento em caso de defeito durante a garantia, para ampliar a cobertura de assistência técnica a municípios que não contam com autorizadas.
Procuradas, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a Associação Nacional de Fabricantes de Eletroeletrônicos (Eletros) não retornaram os contatos do GLOBO.
Na hora de trocar eletroeletrônicos e eletrodomésticos, são dois os principais destinos dados aos aparelhos: o repasse a terceiros por meio de venda ou doação ou o item, sem utilidade, acaba ficando guardado em casa. Apenas um em cada seis consumidores, realmente, descarta o produto. Destes, a minoria realizou o descarte em pontos de coleta específicos ou em locais indicados pelo fabricante. O descarte no lixo reciclável e no lixo comum ocorre com mais frequência. Para Amaral, pesquisador do Idec, os resultados mostram que os brasileiros têm consciência de que estes produtos podem ser reaproveitados e do risco de jogar no lixo comum, mas falta informação e estrutura adequadas para se efetivar o descarte correto.

A socióloga coordenadora executiva do Instituto Pólis para a área de Resíduos Sólidos, Elisabeth Grimberg, sugere a criação de uma lei que obrigue as empresas a informar na embalagem do produto o impacto ambiental causado por toda a cadeia de produção: da extração da matéria-prima ao descarte. Ela acredita que, assim, os consumidores se sensibilizariam:
— Há desinformação generalizada sobre o impacto ambiental da atividade industrial.
Empresas recolhem produtos
De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, os fabricantes de produtos como aparelhos eletroeletrônicos, pilhas e baterias são os responsáveis pelo recolhimento, reciclagem e destinação adequada do que produzem. O sistema, chamado de logística reversa, deve ser implementado até agosto deste ano. A partir desta data, o plano estabelece que somente poderão chegar aos aterros sanitários rejeitos, ou seja, resíduos para os quais não há tecnologia ou viabilidade econômica para reaproveitamento ou reciclagem.
O GLOBO consultou dez grandes fabricantes de eletroeletrônicos, celulares e redes varejistas. Pelo menos sete deles (HP, LG, Sony, Consul/Brastemp, Nokia, C&A e Pão de Açúcar/Extra) já implementaram o sistema e têm pontos de coleta nas lojas e assistências técnicas ou a fazem na casa do consumidor. No entanto, para a socióloga Elisabeth, que participou das audiências que resultaram na redação final do plano, falta ampliar as iniciativas e informar sobre este serviço:
— Precisamos é de uma rede farta e extensa de pontos de coleta e de divulgação sobre onde ficam. Da mesma forma agressiva com a qual as empresas abordam as pessoas para vender, deveriam informar estes locais, que devem ser de fácil acesso, principalmente, na loja onde o produto foi comprado.
Fonte: O Globo - Online

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